Independentes

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“O COMBATE DA SOGRA X CAPETA”. Esse era o título da revista em quadrinhos de 32 páginas que estava sendo vendida pelo seu próprio autor por 2 reais. Debaixo de chuva e literalmente no meio de um trânsito intenso, o escritor desconhecido segurava um cartaz – que enxergo até como um verdadeiro estandarte! – onde dizia “Eu fiz e estou vendendo”.
Eu estava tão atrasado que não consegui parar para comprar a revista e apoiar assim o artista. Mas confesso que fiquei tão curioso que voltei umas 2 horas depois para poder conversar com ele e comprar sua produção independente. Entretanto, estava chovendo demais e acho que ele acabou desistindo de continuar as vendas naquele dia.

É incrível como essa cena aparentemente louca e engraçada representa com excelência o que acontece com qualquer artista independente (pequeno) no Brasil. Guardadas proporções de quaisquer espécies, o que se percebe é que o tal ideal “viver do que se gosta” talvez não exista. Quero dizer, talvez exista sim, mas junto a ele, na grande maioria das vezes, vem uma carga gigantesca de coisas pouco ou nada inspiradoras artisticamente com as quais corre-se o risco de se gastar mais tempo e esforço que os que são gastos fazendo o que se gosta. São coisas entretanto que precisam ser feitas porque afinal de contas há vida, ou seja, tem que se sobreviver.
Às vezes essa carga é tão grande que alguns desistem na primeira tentativa. Outros vão longe, por muito tempo. Verdadeiros pequenos-grandes heróis que produzem sem apoio nenhum ou às vezes com um apoio muito pequeno, puramente por amor à arte sempre recebendo muito pouco ou às vezes nada em troca.

Talvez o vendedor da revista em quadrinhos tenha desistido das vendas apenas naquele dia, devido à chuva. Ou talvez tenha desistido para sempre porque ninguém estava comprando.
Também já desisti de tocar em um lugar por não ter uma estrutura mínima necessária ou por não ter público (esse tipo de trabalho é vulgarmente conhecido como “roubada”). Também já desisti definitivamente de vários projetos por não darem retorno algum. Além disso, já tive que tocar em lugares sem que ninguém prestasse atenção. Algumas vezes inclusive já me pediram para parar de tocar porque a música estava atrapalhando.
O escritor anônimo fez a história e talvez tenha feito inclusive a impressão das páginas da revista em casa mesmo. Ou então pode ter levado pessoalmente a uma gráfica barata no centro para fazer as cópias. Depois de tudo isso ainda saiu para vender.
Eu também já compus as minhas próprias músicas, cuidei da produção inteira de CDs, sejam eles meus ou não, e sai para vender seja em lojas, seja em shows.
A impressão que tenho é a de que o autor da revista foi escritor, produtor e vendedor/empresário e que também somos tudo isso, eu e 95% dos meus amigos músicos que também passam pelas mesmas coisas.
É difícil para todo mundo, mas se não fizéssemos esse esforço ninguém faria por nós.

Vivemos pelos sonhos ou pelo menos eles funcionam como combustível, às vezes aditivado, às vezes comum.

Pode ser ainda que eu esteja enganado. Talvez o rapaz fosse um magnata da literatura nacional que estava lá por hobby…

De qualquer forma, de uma coisa tenho certeza: esse tipo de fileira que a gente guarda em casa é sempre cheia de coisas sinceras! Independentes e muito sinceras!

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